quarta-feira, 5 de maio de 2010

Arqueologia Bíblica - O Exôdo dos Hebreus

O ÊXODO DOS HEBREUS SEGUNDO HISTORIADORES E ARQUEÓLOGOS: ÊNFASE NA PERSPECTIVA MINIMALISTA A PARTIR DA OBRA DE FINKELSTEIN E SILBERMAN

Josué Berlesi*


RESUMO


Distintas correntes interpretativas analisaram e continuam a analisar a história do Israel antigo, e, ao que tudo indica, o consenso parece distante. Neste presente artigo tentar-se-á contemplar um determinado grupo de pesquisadores, a saber: os minimalistas. O evento bíblico do êxodo constitui-se no objeto do presente estudo. O conteúdo majoritário dessa pesquisa reside em analisar como o êxodo foi interpretado por historiadores e arqueólogos, entretanto, será dada uma ênfase na perspectiva dos estudiosos minimalistas, sobretudo, em Israel Finkelstein e Neil Silberman autores da obra “The Bible Unearthed: Archaeology’s New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts”. Palavras-chave: História dos Hebreus, Êxodo, Minimalistas, Bíblia, História Antiga.

A análise da pertinência histórica da Bíblia é uma prática de longa data no mundo ocidental. Paralelamente a uma postura fundamentalista de defesa do texto religioso desenvolveu-se uma postura de crítica, de contestação dos escritos bíblicos.

Com o êxodo, por ser parte significativa do Antigo Testamento, não poderia ser diferente. O referido evento foi e permanece sendo analisado sob diferentes enfoques e olhares. No presente estudo tentar-se-á demonstrar como o êxodo foi interpretado fora dos ambientes teológicos, sendo assim, serão utilizadas, sobretudo, as obras de arqueólogos e historiadores.

Não se pode negar que a produção intelectual dos estudiosos que contestam a historicidade das passagens bíblicas é, em grande parte, estimulada pela necessidade de combater a literatura de cunho fundamentalista. Nesse sentido as palavras de Fox são ilustrativas:

Os fundamentalistas também tentam explorar conhecimentos do tipo

histórico. O ponto de contato mais fácil é a arqueologia, a disciplina

em que a história parece fazer o uso máximo da ciência e que para

todos os efeitos trabalha com indícios diretos, e portanto nada

ambíguos. A arqueologia pode ser apreciada por seu público sem a

interposição de qualquer barreira lingüística, e à medida que este

público vai crescendo os fundamentalistas encontram cada vez mais

razões para invocar seus achados como provas de que a narrativa

bíblica é verdadeira. Exemplos particulares são usados como base

para a ampla difusão de uma convicção geral de que todo o conteúdo

das escrituras poderia ser confirmado caso fosse possível escavar

suas relíquias. Os indícios escritos, porém, são mais refratários.

Também neste caso, os fundamentalistas enfatizam os textos

exteriores à Bíblia que confirmam nomes, lugares e fatos

mencionados em certas passagens de sua narrativa. Em seguida, dão

a entender que o que ocorre com esses exemplos poderia aplicar-se a

tudo que ela nos conta. Quando os textos não confirmam a Bíblia,

questionam o valor desses indícios discordantes: a convicção popular

de que os historiadores podem encontrar a verdade final é menor do

que a fé nos cientistas. Naturalmente, esta dúvida nunca é voltada

contra os próprios autores da Bíblia (FOX, 1993, p. 41).

Os pesquisadores que assumem uma postura crítica em relação a Bíblia procuram enfatizar em seus estudos as incoerências do texto religioso tais como os dobletes das narrativas, os anacronismos1 e as informações contrastantes. É bem verdade que as pesquisas sobre o antigo Israel assumem cada vez mais um caráter interdisciplinar, porém, ainda é necessário avançar nesse sentido. São poucos os arqueólogos e historiadores com suficiente capacidade de analisar os escritos veterotestamentários em sua forma original. Resulta disso uma parca exegese bíblica que, muitas vezes, é a responsável pela produção de um raciocínio ilógico, ou, até mesmo, adaptações forçadas. Exemplo deste gênero pode ser verificado na obra de Louis Frédéric quando o mesmo tenta explicar as distintas versões sobre a saída do Egito:

Um grupo dos Habiru, mais indisciplinado do que os outros, pôde se

revoltar abertamente, sendo perseguido pelas tropas do faraó. Um

outro grupo preferiu fugir; daí, a existência, na Bíblia, de duas

versões: uma dizendo que os Hebreus foram perseguidos, e outra

segundo a qual eles fugiram apesar da oposição das tropas do faraó,

que os teriam perseguido. Isto explicaria, também, as duas rotas

seguidas pelos hebreus no deserto: a do norte, pelas tribos que foram

perseguidas; e a do sul, pelas que teriam fugido, ou vice-versa

(FRÉDÉRIC, 1978, p. 128).

Contrastar as informações bíblicas com as fontes extra-bíblicas é metodologia comum entre os autores aqui analisados. Verifica-se até que ponto a Bíblia corresponde às evidências materiais, sejam elas artefatos encontrados em escavações arqueológicas, fontes escritas, ou ainda a ausência de ambas, o que promove o descrédito da informação bíblica pela falta de sustentação no registro material. Evidentemente também se procede a uma análise do contexto histórico ao qual a narrativa bíblica se refere, nesse sentido, John Romer afirma, por exemplo, que a história de José é plausível pelo fato de estrangeiros terem migrado ao Egito em busca de melhores condições de vida. Contudo, o citado autor compactua com a idéia de que uma história como a de José seria mais aplicável ao período de dominação hicsa. Entretanto, o próprio Romer adverte:

É evidente que existe muita coisa nas narrativas bíblicas sobre o

Egito que as coloca com firmeza em um ambiente egípcio genuíno,

como acontece com as narrativas sobre a Mesopotâmia. Porém, por

mais coerentes que sejam essas semelhanças culturais, não fornecem

a prova de que tais narrativas relatam acontecimentos históricos

verdadeiros ou que seus personagens existiram – da mesma forma que

as cuidadosas descrições que Tolstoi faz do exército de Napoleão em

Guerra e Paz não provam que os personagens do romance tenham

existido realmente (ROMER, 1991, p. 43).

É também característica dos estudiosos críticos da Bíblia, valerem-se de explicações naturalistas2 para desqualificar os supostos milagres relativos ao êxodo. A esse respeito Frédéric comenta:

Quanto aos prodígios, provavelmente, são uma extrapolação do

redator do livro do Êxodo para confirmar o poder de Yahwé, se bem

que várias explicações científicas tenham sido apresentadas para

explicá-los: fenômeno cósmico (passagem de um cometa muito

próximo da terra), fenômeno geológico (conseqüências da erupção do

vulcão da ilha de Santorim por volta de 1447 a.C.), fenômenos

naturais devidos a uma enchente excepcional do Nilo e que teria

provocado as pragas. Todas as explicações são possíveis, mas em

nenhuma hipótese poderiam ter servido para castigar o faraó, porque

estes fenômenos teriam sido interpretados de outra forma pelos

egípcios. Se ao contrário, admitimos tratar-se de um acréscimo tardio

(o que poderia explicar a composição do texto, a duplicidade de

algumas passagens e os absurdos), os prodígios teriam sido

acrescentados apenas com um fim religioso, o que parece ter sido o

propósito do redator (FRÉDÉRIC, 1978, p. 130).

De forma geral, os autores analisados no presente estudo, absorvem a narrativa sobre o êxodo de forma literal e procedem a uma análise da historicidade da mesma. Sendo assim, as investigações iniciam-se com José e se estendem até depois do acampamento em Kadesh-Barnea.

Determinadas parcelas do relato sobre o êxodo são absolutamente inaplicáveis ao contexto histórico que narrativa tenta se referir. Independente das datas propostas para a saída do Egito, se no século XV a.C. ou XIII a.C., a quantidade de participantes do referido evento é, sem dúvida, descabida. Comentando a esse respeito Dever afirma:

Algumas das informações são claramente fantasiosas, assim como a

lista de censo tribal (Num. 1) que totaliza 603.550; similarmente a

contraditória alegação de que as tribos poderiam formar um exército

de 600.000 homens (Ex. 12.37) os quais defenderiam uma população

de 2.5-3 milhões. É simplesmente impossível que o deserto do Sinai,

naquela época ou agora, pudesse suportar mais do que poucos

milhares de nômades (tradução própria). (DEVER, 2003, pp. 18-19)

Porém, os problemas vão além da quantidade de participantes descrita na Bíblia.

Antes mesmo da própria saída do Egito, John Romer, comenta quanto a concepção de opressão. Segundo afirma:

A escravidão em tal escala e do tipo descrito no Livro do Êxodo não

existia no antigo Egito nem em parte alguma daquele mundo antigo,

onde a humanidade estava estabelecida em uma ordem sagrada, na

qual todos, desde um faraó até um camponês escravizado, estavam à

disposição dos deuses e do Estado. Nesse mundo, as concepções

modernas de escravidão e de liberdade, e mesmo de propriedade e

compra e venda, tinham pouco sentido. Além disso, prova documental

explícita do antigo Egito demonstra que os estrangeiros que viviam

naquele país, quer como prisioneiros de guerra quer como pacíficos

imigrantes, eram cuidadosa e rapidamente integrados à massa da

população [...] As idéias antigas sobre raça e cultura eram muito

diferentes, e o tema da liberação da opressão contido no Êxodo é

inteiramente incompatível com a realidade antiga [...]. (ROMER,

1991, p. 52).

A falta de registro extra-bíblico do êxodo é, sem dúvida, um dos pontos mais enfatizados pelos autores analisados nessa pesquisa. Conforme afirmam, a perda de um significativo contingente de trabalhadores teria provocado um abalo econômico e social, o que certamente constaria nos registros egípcios (ROMER, 1991, p. 48).

Entretanto, apesar das improbabilidades de certos trechos do relato em questão, é raro encontrar algum pesquisador que considere o referido evento como mera ficção. Sendo assim, os estudiosos compactuam com a idéia de que a narrativa bíblica da saída do Egito contém um cerne histórico, mesmo que mínimo.

Robin Lane Fox, por exemplo, preocupa-se com o processo de elaboração do relato sobre o êxodo. Nesse sentido comenta a dificuldade da referida narrativa ser historicamente fidedigna, uma vez que seu(s) redator(es) não contava(m) com indícios primários, sem mencionar o fato de que, até o momento de sua fixação por escrito, a versão bíblica do êxodo circulou longo tempo na oralidade. Dessa forma, Fox afirma:

Como é que uma tradição oral poderia ter preservado detalhes

verdadeiros por tanto tempo? No máximo, podia recordar um grande

acontecimento, ou um novo início: como a Guerra de Tróia dos

gregos, o Êxodo dos israelitas do Egito foi um grande acontecimento

desse tipo, que seus herdeiros supunham ser verdadeiro. Talvez fosse

de fato uma memória histórica: não temos como saber, mas acho

difícil acreditar que nenhum israelita jamais tenha deixado o Egito

sob a condução de seu deus especial, Jeová, embora o Êxodo talvez

não tenha sido a migração de todo um povo (FOX, 1993, p. 163).

Os Minimalistas Na década de 90 do século XX começaram a surgir determinadas obras absolutamente inovadoras acerca do Israel antigo. O tom da crítica destinava-se a toda metodologia então usada para produzir conhecimento sobre a história de Israel. Essa tendência agregou um grupo de pesquisadores que foi pejorativamente classificado como “minimalista”. Estes pesquisadores uniram-se em torno de suas frustrações quanto ao debate sobre o Israel antigo. Não contestavam apenas a historicidade dos eventos bíblicos, mas sim o próprio uso da Bíblia como fonte histórica.

A primeira reunião desses estudiosos aconteceu em 1996, em Dublin, na Irlanda.

Este evento marcou a constituição do Seminário Europeu sobre Metodologia Histórica. A partir de então seguem-se reuniões freqüentes que abordam distintos temas da história

dos hebreus.

O referido grupo também é denominado como A Escola de Copenhague, porém, o termo minimalista tornou-se mais popular. A este respeito George Athas comenta:

A Escola de Copenhague, popularmente conhecido como

“Minimalismo” é um reconhecido método de estudo na área dos

estudos bíblicos. Surgiu pela necessidade dos estudiosos de explicar

as discrepâncias entre os textos bíblicos e as descobertas dos

arqueólogos. Ela propõe ver a literatura bíblica como mera estória

ao invés de literatura historiográfica a qual remete a verdadeira

história. O método minimalista propõe usar apenas a arqueologia

para o propósito de reconstruir a história. Esta abordagem possui

muitas características atrativas mas falha para apresentar um método

de investigação que seja inteiramente livre de problemas, inclusive de

interpretações tendenciosas. Este é apenas um paradigma dentre

outros que podem ser usados para investigar a história da Síria-

Palestina (tradução própria).

Em princípio o grupo continha apenas pesquisadores europeus, entretanto, estudiosos de todas as partes do globo passaram a compactuar e colaborar com a argumentação da Escola de Copenhague. Os autores de postura “minimalista” representam, sem dúvida, um novo paradigma no estudo da história dos hebreus. Algumas de suas obras são de fato iconoclastas e apresentam interpretações inovadoras.

O conteúdo de seus escritos possibilitou que certos pesquisadores fossem classificados como anti-semitas, em contrapartida, os ofendidos rotularam seus opositores de sionistas. William Dever é um dos autores que constantemente tem atacado a postura minimalista, comentando acerca de seus adeptos ele afirma:

Eles freqüentemente se denominam revisionistas; outros os descrevem

como minimalistas. Eu tenho sugerido que eles são mais exatamente

niilistas – quando eles acabarem de reescrever a história de Israel,

cedo ou tarde, não restará nada que a maioria de nós possa

reconhecer como história. É assim que eles tem feito, porém, sua

conclusão fundamental (ou é isso uma pré-concepção?) é que

ninguém mais pode escrever a história antiga de Israel, ao menos não

uma história baseada nos textos bíblicos (tradução própria).

(DEVER, 2003, p. 137). 6

Recentemente a obra de FinKelstein e Silberman7 causou grande impacto dentro e fora da academia. Na referida obra os autores chegam a uma conclusão distinta quanto ao êxodo.

Antes mesmo de abordarem a saída do Egito em si, os pesquisadores em questão apontam para as incoerências do texto bíblico referente a José8. Segundo afirmam, a presença de camelos na história do citado personagem reflete um anacronismo. Feita esta consideração, Finkelstein e Silberman preocupam-se em demonstrar a pertinência da situação básica contida no relato do êxodo, ou seja, as migrações de Canaã para o Egito são seguramente sustentadas pela evidência arqueológica, tornando assim plausível esta parcela do relato bíblico.

Com base nos paralelismos entre a narrativa religiosa da saída do Egito e a história dos hicsos escrita por Mâneto, os referidos autores apontam para a possibilidade do êxodo. Nesse sentido afirmam:

[...] fontes arqueológicas e históricas independentes relatam a

imigração de semitas de Canaã para o Egito, e os egípcios

expulsando-os com o uso da força. Esse resumo básico da imigração

e do retorno violento para Canaã é paralelo ao relato bíblico do

Êxodo (FINKELSTEIN & SILBERMAN, 2003, p. 85).

Entretanto, essa interpretação gera complicações principalmente no tocante a cronologia. Tradicionalmente duas datas são propostas para o êxodo, uma no século XV a.C. e outra no século XIII a.C., sendo assim, os hicsos expulsos por volta de 1570 a.C. não poderiam ser os participantes do êxodo que a Bíblia se refere.

A data do século XIII a.C. é a mais aceita pela maioria dos estudiosos, desse modo, o êxodo teria ocorrido na época de Ramsés II. Contudo, Finkelstein e Silberman esforçam-se para desacreditar esse pensamento. Conforme afirmam, havia no período do citado faraó um sistema de controle de fronteiras muito bem estruturado, o que tornaria impossível a fuga de um contingente de trabalhadores.

Pondo de lado a possibilidade de milagres inspirados divinamente,

não é razoável aceitar a idéia de fuga de um grande grupo de

escravos do Egito, através de fronteiras fortemente vigiadas por

guarnições militares, para o deserto e depois para Canaã, numa

época com colossal presença egípcia na região. Qualquer grupo

escapando do Egito contra a vontade do faraó teria sido rapidamente

capturado, não apenas por um exército egípcio que o perseguiria

desde o delta, mas também por soldados egípcios dos fortes no norte

do Sinai e em Canaã.

De fato, a narrativa bíblica sugere o perigo da experiência de fugir

pela estrada da costa. Assim, a única alternativa seria através das

terras desérticas e desoladas da península do Sinai; mas a

possibilidade de um grande grupo de pessoas caminhando por essa

península também é contestada pela arqueologia (FINKELSTEIN &

SILBERMAN, 2003, pp. 91-92).

Há ainda outras razões que tentam desacreditar o êxodo no século XIII a.C. Dentre essas, evidencia-se a ausência de registros arqueológicos, ou seja, na época de Ramsés II não há nenhum sinal de ocupação do Sinai assim como não há nenhuma evidência arqueológica do referido evento nos locais de acampamento citados na Bíblia como, por exemplo, Kadesh-barnea10. Entretanto, Finkelstein e Silberman enfatizam que uma das mais importantes indicações da imprecisão histórica do relato sobre o êxodo reside no fato de não existir referência nominal ao “faraó da opressão”, diferente de outros textos bíblicos posteriores onde constam os nomes dos monarcas egípcios como, por exemplo, Sesac e Necau.

Desse modo, os referidos autores vão compactuar com o egiptólogo Donald Redford o qual relacionou a narrativa do êxodo ao século VII a.C. A intenção é demonstrar que o relato do êxodo reflete o contexto da época em que foi escrito, embora, é verdade, reconheçam que a saga da libertação do Egito tem origens anteriores ao citado século.

É impossível dizer se a narrativa bíblica foi ou não uma ampliação e

uma elaboração de memórias imprecisas da imigração do povo de

Canaã para o Egito e de sua expulsão do delta no segundo milênio

a.C. Mesmo assim, parece claro que a história bíblica do Êxodo

auferiu seu poder não apenas das tradições antigas e dos detalhes

geográficos e demográficos contemporâneos, mas ainda e mais

diretamente das realidades políticas contemporâneas.

(FINKELSTEIN & SILBERMAN, 2003, p.103).

Sendo assim, os autores vão concluir que o pano de fundo da narrativa do êxodo se deu, na verdade, durante o período do rei Josias. Tendo em vista a situação política da época (crescente conflito com o Egito) o relato do êxodo teria sido estruturado como um apelo à unidade nacional.

A saga do Êxodo de Israel do Egito não é uma verdade histórica nem

ficção literária. É uma poderosa expressão da memória e da

esperança, nascida num mundo em plena mudança. A confrontação

entre Moisés e o faraó espelhava o significativo confronto entre o

jovem rei Josias e o faraó Necau, recentemente coroado. Fixar essa

imagem bíblica em uma só data e trair o significado mais profundo da

históri. (FINKELSTEIN & SILBERMAN, 2003, p. 105).

Embora exista uma pequena divergência nas questões cronológicas, a estratégia minimalista para desqualificar a historicidade dos eventos bíblicos consiste em datar o testemunho religioso o mais recente possível. Mario Liverani, por exemplo, é um historiador que caminha nesse direção.

No que concerne ao êxodo, o referido autor se utiliza de paralelos entre a Bíblia e textos extra-bíblicos para justificar uma datação mais recente da narrativa veterotestamentária. Ao tratar do itinerário da saída do Egito o autor afirma:

A imagem do deserto, no complexo Êxodo-Números não é de tipo

pastoral, onde a tribo vive em conforto; ao contrário é do tipo “zona

de refúgio” ou “terra de exílio”, em uma perspectiva urbana de

agudo desconforto. A estrada é difícil e perigosa pela presença de

armadilhas e falta d’água. A travessia: o deserto grande e terrível, de

serpentes ardentes e de escorpiões e de sede, onde não há água

(Deut.8:15) é semelhante às preocupações logísticas do exército

assírio para atravessar o deserto, como na expedição de Esarhaddon

a Baza: um distrito remoto, uma distância desértica de terra salgada,

uma região de sede… (com) serpentes e escorpiões que revolvem a

terra feito formigas. (IAKA, pp. 56-57). Também os exércitos da

monarquia de Juda haviam atravessado o deserto, exemplarmente na

expedição contra Mo’ab; e a busca por água da parte de Moisés, que

a fez brotar da rocha (Es. 17:1-6), os ecos da busca d’água pelos

“profetas” alertaram o exército naquela ocasião: Assim disse

Yahweh: escavarás nesta ribanceira poços e poços, por que assim

disse Yahweh: não verás vento nem chuva, contudo, esta ribanceira se

encherá de água e vós bebereis, vós e vossas tropas e vossos animais

(de carga)! (2Re 3:16-17) (tradução própira).

Desse modo, o período a partir das deportações assírias e também o período persa seriam o contexto histórico onde a oralidade do êxodo foi textualizada (LIVERANI, 2003, p. 305-308). Entretanto, ainda faltam evidências para esclarecer o que teria dado base para essa oralidade, ou melhor, como teria surgido a memória do êxodo? Como já visto, Finkelstein e Silberman apresentam uma sugestão para sanar esse questionamento assim como os autores, contrários aos minimalistas, que defendem a idéia de que o êxodo foi um acontecimento histórico do século XV a.C. ou XIII a.C.

Segundo Lemche:

O Israel do Antigo Testamento apresentou-se como um produto da

imaginação literária. Sua história não foi de um mundo real, mas a

sua organização foi baseada pelos requerimentos de dois mitos

fundantes, o primeiro deles o Êxodo, e o segundo o Exílio Babilônico.

Se partes dessa história realmente aconteceram ou não no mundo

“real” a questão é que se formou essa história imaterial

(tradução própria).

Como se pode notar as pesquisas de cunho minimalista possibilitaram novas interpretações sobre todo o Israel antigo, conseqüentemente também sobre o êxodo. Independente de sua pertinência acadêmica, a tendência é que a postura minimalista cresça em importância no debate sobre a história de Israel. As razões para isso se encontram, sobretudo, no fato dos minimalistas ocuparem importantes funções em institutos de Arqueologia e História, mundialmente reconhecidos, desse modo, é possível que os autores discordantes dessa linha de pensamento atuem cada vez mais como vozes isoladas.

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